Dolo é um vício próprio da parte contratual do Direito Civil. Nem todos os juristas concordam com a posição doutrinária que vê o casamento como um contrato (ênfase na vontade das partes), havendo aqueles que a veem como uma instituição (ênfase na lei que dá a forma ao matrimônio e o regulamenta extensamente), ou ainda aqueles que a veem como um misto das duas posições, a chamada posição eclética.
Para que o dolo fosse admitido como vício autorizador da anulação do casamento, o legislador teria que ter optado pela posição contratual, o que não fez.
Mas entremos em uma especulação que na prova oral não seria seguro fazer, a menos que o examinador o questionasse nesse sentido. E se tivesse optado pela posição contratual? Poderia o dolo ser vício arrolado no artigo 1.550, do CC?
Inicialmente vejamos o que seria dolo para o direito civil. Segundo Carlos Roberto Gonçalves, à página 374, da 2ª edição, do volume 1, de seu livro Direito Civil Brasileiro:
"Dolo é o artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém à prática de um ato que o prejudica, e aproveita a autor do dolo ou terceiro. Consiste em sugestões ou manobras maliciosamente levadas a efeito por uma parte, a fim de conseguir da outra emissão de vontade que lhe traga proveito, ou a terceiro.
O dolo difere do erro porque este é espontâneo, no sentido de que a vítima se engana sozinha, enquanto o dolo é provocado intencionalmente pela outra parte ou terceiro, fazendo com que aquela também se equivoque."
Casamento, por outro lado, é conceituado por Paulo Lôbo, à página 99, de seu livro Direito Civil - Famílias:
"O casamento é um ato jurídico negocial solene, público e complexo, mediante o qual um homem e uma mulher constituem família, pela livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado."
Se casamento é definido pelo seu fim, ou seja, a constituição de uma família, esse elemento fim seria afetado pelo dolo. A família, por outro lado, é modernamente definida como um feixe de afetos, posição essa que segue o autor acima (Paulo Lobo, idem, p. 37ss.). O induzimento ao engano referir-se-ia ao afeto presente na relação, suficiente parra criar uma família, ainda que de apenas duas pessoas. Impossível, portanto, seria a discussão da existência ou não de afeto, amor ou paixão a nível processual, em razão da impossibilidade de se provar esses sentimentos ("peço a anulação do casamento pois ele ou ela nunca foi apaixonado por mim (erro), e/ou enganou-me a achar que me amava (dolo), ", por exemplo). Necessário é que os noivos acreditem que se amam por ocasião do casamento.
E se o casamento fosse por interesse? Entraríamos novamente em outra complexa discussão.
Em razão desses aspectos o legislador optou por não elencar o dolo nos vícios que anulam o casamento.